Teste de detecção do SARS-CoV-2: como funciona?

Você talvez já tenha ouvido falar que a detecção do SARS-CoV-2 é feita por um teste chamado de RT-PCR, mas você sabe como este teste funciona? Neste texto, vamos falar um pouco sobre isso.

A sigla RT-PCR vem de um termo em inglês: reverve transcription – polymerase chain reaction. Traduzindo, o termo significa transcrição reversa – reação em cadeia da polimerase. Como o próprio nome indica, é uma técnica com duas etapas, primeiro a transcrição reversa (RT) e depois a reação em cadeia da polimerase (PCR). Então, vamos por partes (hehe)! Para começar, vamos entender um pouquinho mais sobre o SARS-CoV-2.

O SARS-CoV-2 é um vírus de RNA fita simples. Isso significa que o material genético deste vírus é uma molécula de RNA e não de DNA, como é o caso da maior parte dos seres vivos (inclusive nós). Na verdade, há discussão se os vírus podem ou não serem considerados seres vivos. Considerando isso, como apenas vírus podem apresentar RNA como seu material genético, poderíamos até dizer que o DNA é o material genético de todos os seres vivos. Apenas por curiosidade, outros vírus que também possuem como material genético RNA fita simples são os vírus da dengue e o HIV. Já um exemplo de vírus com DNA como material genético seria o HBV, vírus causador da hepatite B.

Voltando para o teste de detecção do SARS-CoV-2, a primeira parte da técnica, como comentado acima, é uma transcrição reversa. A transcrição reversa (ou RT) consiste, justamente, em sintetizar uma molécula de DNA complementar (cDNA) ao RNA do vírus. A partir da RT, teremos uma dupla-fita (como é nosso DNA), que pode ser utilizada para a realização da segunda parte, a reação em cadeia da polimerase (ou PCR). A RT é sempre utilizada quando se quer analisar uma molécula de RNA, seja ela de um vírus ou de qualquer ser vivo. Às vezes, analisamos inclusive RNA de células humanas, para pesquisa ou mesmo para diagnóstico.

Já a PCR é uma técnica que revolucionou a biologia molecular. Ela foi inventada por Kary Mullis, que ganhou o Prêmio Nobel pela invenção. Mullis morreu ano passado (2019), aos 74 anos. A PCR nos permite criar muitas cópias (milhões ou até bilhões) de um trecho de DNA de nosso interesse. Assim, é possível isolar de maneira simples o DNA para ser analisado. Também é possível detectar um DNA mesmo que ele esteja em quantidade muito pequena.

Moléculas de DNA são basicamente cadeias de nucleotídeos. Se o DNA fosse uma parede, os nucleotídeos seriam os tijolos. A técnica se chama reação em cadeia da polimerase, pois ela é baseada na ação de uma enzima, chamada de DNA polimerase. Esta enzima é a responsável por sintetizar DNA nas células dos seres vivos. Quando uma célula vai se dividir, para que ambas as células filhas recebam a mesma quantidade de DNA, ela primeiro duplica seu DNA. Assim, haverá DNA suficiente para as duas células-filhas. Várias enzimas participam deste processo nas células, mas a DNA polimerase é a enzima que de fato adiciona os novos nucleotídeos na molécula nova de DNA. Na PCR, acontece quase a mesma coisa, mas dentro de um microtubo, como o da imagem abaixo. Além disso, o DNA copiado na PCR é de um segmento pequeno de nosso interesse, e não todo o genoma, como ocorre na duplicação do DNA na célula.

Então, a PCR feita para a detecção do SARS-CoV-2, que ocorre após a RT, cria muitas cópias de segmentos do material genético do vírus. Quais segmentos são esses? Isso pode variar, mas o importante é que sejam sequências que ocorrem apenas neste vírus! Assim, podemos ter certeza de que o teste detectou este vírus, e não amplificou material genético de outro organismo. Nos testes desenvolvidos até o momento, as sequências utilizadas são trechos de alguns genes encontrados no material genético do vírus, como o gene S, que codifica a proteína spike, que é a proteína do vírus que liga ao receptor nas nossas células; ou então o gene E, que codifica uma proteína encontrada no envelope do vírus.

Mas como é garantida esta especificidade na PCR? Outro reagente importante numa PCR, além da DNA polimerase, são os oligonucleotídeos iniciadores, ou primers. São sequências curtas de DNA, que são complementares ao seu DNA alvo. Para cada reação é utilizado um par de primers, um que é complementar ao DNA que vem antes da sequência a ser amplificada, e o outro que é complementar ao DNA que vem depois da sequência de interesse. Assim, se estes primers forem complementares apenas ao DNA alvo, eles só são capazes de amplificar este DNA alvo. Para garantir que os primers são específicos, precisamos comparar a sequências deles com sequências conhecidas para todos os organismos, que ficam depositadas em bases de dados de sequências. Assim, um bom primer específico vai ser complementar a uma única sequência da base de dados, que é a sua de interesse.

Outro detalhe importante é que para poder desenhar estes primers precisamos primeiro conhecer a sequência alvo de interesse. Então, o desenvolvimento destes testes de detecção por RT-PCR só foi possível após ser sequenciado o genoma do SARS-CoV-2. Isso não demorou muito, pois atualmente existem técnicas muito rápidas de sequenciamento de DNA (sim, o que é sequenciado é o cDNA, não exatamente o RNA do vírus). Até o dia 05 de abril de 2020, uma das bases de dados mais importantes de depósito de sequências do mundo, o GenBank, tinha 446 sequências registradas para o SARS-CoV-2, sendo 337 delas do genoma completo, sem lacunas.

A técnica de PCR, então, consiste basicamente em uma sequência de ciclos, nos quais permitimos que os primers liguem-se ao DNA alvo e, depois, que a DNA polimerase copie o DNA alvo a partir do ponto em que houve ligação com o primer. Estes ciclos ocorrem em temperaturas diferentes. Por isso, o equipamento que utilizamos para PCR, que é mostrado na imagem acima, é chamado de termociclador, já que ele faz ciclos de temperaturas.

Outro detalhe legal para colocarmos aqui, é que a RT-PCR feita para detecção do SARS-CoV-2 geralmente consiste também em uma PCR em tempo real. Numa PCR convencional, a reação é feita no termociclador. Após a reação, o tubo sai do equipamento contendo as milhões de cópias do DNA de interesse, mas visualmente ele é igual ao microtubo que entrou. Para visualizar o resultado, precisamos de mais uma etapa, chamada de eletroforese, na qual iremos separar os fragmentos de DNA por tamanho e daí observar o DNA por alguma técnica de coloração. Na PCR em tempo real é diferente, esta etapa de eletroforese deixa de ser necessária. Isso acontece, pois a técnica permite a leitura do produto (segmento de DNA) sendo amplificado a cada ciclo, utilizando fluorescência. Assim, a cada ciclo, é possível ver o aumento do número de cópias do segmento de interesse.

Aqui explicamos um pouco sobre a técnica de RT-PCR utilizada para detectar o SARS-CoV-2. Este teste detecta o vírus mesmo em pessoas sem nenhum sintoma, pois basta o vírus estar presente para o teste dar positivo. Se você é um profissional da área da saúde que se interessa por este tipo de teste, o UniBrasil tem uma pós-graduação especial para você, em Diagnóstico Laboratorial por Biologia Molecular. Confira as informações no site pos.unibrasil.com.br.

 

REFERÊNCIAS:

ANDERSEN, Kristian G. et al. The proximal origin of SARS-CoV-2. Nature Medicine, p. 1-3, 2020. Disponível em: https://www.nature.com/articles/S41591-020-0820-9

CERAOLO, Carmine; GIORGI, Federico M. Genomic variance of the 2019‐nCoV coronavirus. Journal of Medical Virology, 2020. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/jmv.25700

LU, Roujian et al. Genomic characterisation and epidemiology of 2019 novel coronavirus: implications for virus origins and receptor binding. The Lancet, v. 395, n. 10224, p. 565-574, 2020. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32007145

MULLIS, Kary et al. Specific enzymatic amplification of DNA in vitro: the polymerase chain reaction. In: Cold Spring Harbor symposia on quantitative biology. Cold Spring Harbor Laboratory Press, 1986. p. 263-273. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/3472723/

WORLD HEALTH ORGANIZATION et al. Laboratory testing for coronavirus disease (COVID-19)‎ in suspected human cases: interim guidance, 19 March 2020. World Health Organization, 2020. Disponível em: https://www.who.int/publications-detail/laboratory-testing-for-2019-novel-coronavirus-in-suspected-human-cases-20200117

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