Vampiro sou eu

Melhor lugar pra dormir sem causar revolta é o que as pessoas em volta já tão tendendo a dormir mesmo, tá entendendo? Que ninguém acha foda, nem se incomoda que sequer nota a pestana. Já acordar no chutão de bota dos cana porque escorou a cabeça no banco da praça é só uma vez, parça. Revés sem graça. Dormir no biarticulado, só se não tá lotado. Nave não coopera, vai quicando a rua de cratera. Pro motorista fera, a gente é gado, tá ligado? Bando de malaco com sovaco fazendo pressão. Fedor é pancada. Lá do fim do busão a molecada grita FONE DE OUVIDO, que se não fosse eu tinha quase dormido. Espera, então! Vê o fone de uma vez, irmão, que se cala a boca de vocês já tá bom!

Agora meu esquema é biblioteca. Eureca! Perfeita pra soneca, lugar de gente quieta. Gente intelectual e discreta, com dinheiro pra comprar travesseiro e cama, pagar aluguel pra tapar o céu, e ainda sobra um tanto pra estudar. Eu não, rapá. Trampo de leão, saio da boate às sete e quinze, passo na casa dos broder deixar encomenda. Engrosso o pó, engrossa a renda. Oito e meia tão feita as venda. Oito e quarenta a biblioteca já abriu, os segurança gentil, tem poltrona, cadeira, gente de bobeira. Armário com chave pra botar meus treco, banheiro maneiro prum banho tcheco.

Mas chego e cheio de gente, jeitão diferente. Ergo óculos de sol, acendo farol pro cartaz com a programação, festival sabe lá qual e tanto nome importante. Uma moça diz a outra que é homenagem ao Dante… não sei quem. Eu, hein! Na moral, o tipo deve se achar o tal. Povo da escola fica lambendo bola pra quem gira caneta, quem fica aí matando árvore, picareta. Como que é famoso se eu nunca ouvi falar, buceta? Famoso pra mim é o Plá! Esse sim, piá! Famoso é o Sombra, pomba! Até o Oilman, faz coisa que eu nem ouso. Não é famoso? Corajoso? Não é ecológico? Lógico! Aparece no jornal, na internet, junta tiete. Desfila de sunga no calçadão. Merece condecoração! E esse outro, Dário o que mesmo? Otário. Que a moça diz: ele não gosta de aparecer, o vampiro.

Ih, lá na boate é que tem vampiro! Um pra cada vez que respiro. Que é pra você ver, as caras de agaivê, as mina sangrando nariz, galera por um triz, que a resistência eu até admiro. Vampiro, vampiro, deve ser esses filmes que tão na moda, os atorzinho frouxo que dão a roda. Feito esse povo entrando na sala. Um papel na porta fala da oficina com o escritor que deve ser o idiota de costa. E os intelectual de bosta, calça justa, tudo anotando que o idiota diz, tudo gastando papel, pinel, sacrificando as árvores sem critério. Pra mim, biblioteca tem essa paz de cemitério. Sério, que fico pensando como se tivesse numa floresta enorme no Senegal, os elefantes, os leões e tal. Meus ancestral que sabiam tudo de cor e não ficavam aí fatiando natureza. E é com essa beleza que vou pescando sono. Que se não sou dono do pensamento, se descuido um momento, ainda piro, logo tô assistindo filme de vampiro, me pego sonhando com loucura, esses artista cheio de frescura, pedindo autógrafo pra quem não merece. Até pro… viu como a gente esquece? Fato! Donato, Danton, Dorval? Como é mesmo que chama o animal?

Umas horas boiando lagoa, segurança não perdoa, tapinha no ombro: tá de boa? Esfrego a cara por baixo dos óculos, um velho sentado na poltrona fica encarando ao lado. Que foi, arrombado? Quando pego celular, quer saber a hora, se eu já tô indo embora. Pergunto se ele é escritor, que se for eu já corto de cara. Para por aí! O velho faz que não. Diz que gosta mesmo é de gente, não essas bobagem de homenagem pra famoso desconhecido, esses escritor metido que ninguém sabe a fuça. Concordo, tá sussa. Que eu sei história bem melhor pra pôr em livro, coisa que eu vivo, e contando ainda me livro de juntar na cuca. Tá com os ouvido ativo? Umas night maluca, que o velho quer saber cada treta, que escuta as pior sem fazer careta, guri. Fica empolgado é nas mais cabeluda, nos abacaxi. No final, o véio ainda agradece a ajuda e eu nem entendi, fiquei zumbi. Ajeita óculos, pega boné da poltrona olhando pra sala, sem fala. Vê todo aquele povo de calça justa fazendo oficina, que sina! Que não tinha coisa melhor? Descobrir vacina, limpar latrina, servir gasolina, importar da China, instalar piscina, cursar medicina? E vocês aí nessa lida cretina, festa do papelão. O velho sai sacodindo a testa, e eu pregadão, que dormir nessa posição foi trash, o pescoço dói quando mexe. Em vez de descansar, a tarde vadia sugou toda força e energia. Isso sim é vida de vampiro, ô da beca! O resto é só historinha de biblioteca.

Autora: Allana Ajzental Camargo

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